quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Artigo: Verdade e Ética (Por Luiz Eduardo Caminha)

Verdade e ética

Quando fiz minha Pós Graduação em Wiesbaden, Alemanha, um amigo brasileiro, neurocirurgião, que se especializava na vizinha Mainz me contou que seu mestre resolveu fazer um jantar para colegas da especialidade. Sua intenção: aproximá-lo da nata da neurocirurgia alemã, uma das melhores do mundo. Uma honra para meu amigo. Trinta dias se passaram e não se tocou mais no assunto. Na Alemanha a discrição é uma virtude. Assim, nem ousou perguntar a respeito. Já havia esquecido quando o Correio trouxe o convite. O jantar seria dali a 3 semanas, um Sábado, na mesma época que uns parentes do Brasil vinham visita-lo. Quando chegasse a hora daria um jeito de atender os dois compromissos.

Mas brasileiro é brasileiro e Sábado, na Alemanha, é igual a todo o mundo. Dia de sair, jantar fora, ir a um bar com amigos, celebrar a vida. O dia chegou e ele esqueceu. Melhor dizendo, acompanhou os parentes a Frankfurt, abusou um pouco, passou da hora e o jantar dançou.

Na segunda-feira, o mestre cobrou a desfeita. Como se faz no Brasil, mentiu dizendo não ter sido avisado da data. Mesmo que o mestre insistisse no envio do convite pelo correio, continuou mentindo: nada recebera.

Dias depois um policial bateu à sua porta com uma convocação para uma audiência. Motivo: uma queixa contra o Correio. O inquérito apurava se o carteiro – que afirmava ter entregado a correspondência – estava ou não mentindo. Mentir, na Alemanha, como em qualquer lugar do mundo, exceto o Brasil, é caso grave. Gravíssimo se vinda de um agente público. Envergonhado, foi à delegacia e contou a verdade. A desculpa: no Brasil isto é normal. Levou uma descompostura e uma ameaça de processo caso reincidisse.

Agora pasmem. Se pego por mentir, um processo seria aberto para punir o carteiro com a perda do emprego. Mais, o juiz estabeleceria uma indenização por danos morais, paga pelo Estado às vítimas. Afinal, Correio é um serviço público e deve cumprir suas obrigações com a sociedade. Ademais, lá, mentir é antiético.

Aqui, se bobear, meu amigo e o mestre seriam processados por danos à imagem dos Correios. O agente público, impune, seria digno de pena; a verdade considerada coisa de encrenqueiro e a mentira um artifício da oposição e da imprensa golpista. É só ver o exemplo de alguns funcionários públicos e dos nossos políticos em Brasília. Mentir aqui é a praxe. Dizer a verdade é ser inconveniente. Tudo acabaria em pizza!

Luiz Eduardo Caminha
Ratones, Florianópolis, 18.08.2009

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