domingo, 19 de julho de 2009

Saúde: Cirurgia Plástica Íntima

Muito interessante essa matéria do portal médico Idmed. Link p/ matéria original.

O entrevistado:

Dr. Marcos Desidério Ricci, CRM-SP 69.323
Mestre e Doutor, Assistente da Clínica Ginecológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Especialista em Ginecologia, Mastologia e Cancerologia pela Associação Médica Brasileira. Presidente da Comissão de Ética Médica do Hospital Pérola Byington (Centro de Referência da Saúde da Mulher).

Onde foi desenvolvida a técnica da plástica íntima e há quantos anos existe no Brasil?

Por cirurgia estética íntima incluímos uma série de técnicas, que são mais bem denominadas dentro do contexto da “cirurgia estética e reparadora da genitália feminina”. Algumas técnicas, como a correção da rotura pericial pós-parto vaginal, já são realizadas no Brasil desde o século XIX. O maior número de publicações voltadas às técnicas eminentemente estéticas é originário dos países do leste europeu, principalmente a Rússia.

Quais os exemplos de cirurgias íntimas femininas que são realizadas?

A enorme maioria das técnicas de cirurgia íntima não apresenta qualquer evidência ou embasamento científico, sendo feitas empiricamente. Embora muito divulgadas na mídia e na imprensa leiga, a literatura médica ainda é desprovida de séries e ensaios clínicos que registrem as indicações e eventuais complicações. As técnicas reconhecidas, com registro de suas indicações, evolução e complicações, são enumeradas a seguir:

Ninfoplastia - é a correção cirúrgica da hipertrofia dos pequenos lábios. Dentre causas frequentes de hipertrofia dos pequenos lábios, temos a constitucional, a idiopática, a adquirida com o avançar da idade em virtude de perda do colágeno e substituição dos tecidos de sustentação dos pequenos lábios, além do histórico de múltiplos partos vaginais e traumas repetidos na região vulvar decorrentes da tração e manipulação excessiva durante o intercurso sexual.

Causas menos frequentes seriam a irritação e inflamação crônica, como nas pacientes com incontinência urinária de esforço e dermatites. Não existem critérios firmados para determinar as indicações da cirurgia, mas a ninfoplastia pode ser considerada nas pacientes cuja hipertrofia implique em vergonha de expor a sua genitália, causando dificuldade de se relacionar sexualmente, bem como algum tipo de dor, não só durante a relação sexual, como também na utilização de alguns tipos de vestuário e na prática de alguns esportes, pela compressão da região.

Himenoplastia ou Himenorrafia - as indicações seriam limitadas às pacientes cuja integridade do hímen é motivo de discriminação matrimonial, em virtude de valores culturais e religiosos, e naquelas que sofreram violência sexual. A reconstrução do hímen nestas pacientes atenuaria os conflitos e traumas psicológicos.

Colpoplastia, ou Colpoperineoplastia ou Perineoplastia - consiste no reparo do períneo e da parede vaginal posterior por rotura perineal ocorrida pós-parto via vaginal. Mesmo nas pacientes que sofreram assistência obstétrica adequada, fatores como múltiplos partos, flacidez do assoalho pélvico podem causar frouxidão da parede vaginal e músculos do introito vulvar. As indicações estariam relacionadas diretamente a esses fatores, que causariam granulomas de episiotomia (corte realizado no períneo no momento do parto para facilitar a passagem do recém-nascido), desvio da fúrcula vulvar, dispareunia de penetração e perda do espaço virtual vaginal.

Clitoropexia ou Clitoroplastia - consiste na plástica do clitóris. As principais causas de aumento ou hipertrofia do clitóris são aquelas relacionadas à hiperplasia adrenal congênita, ingestão de esteroides, gestação ou adquiridas com o avançar da idade em virtude do metabolismo androgênico. O eixo e a base do clitóris podem ser cirurgicamente reduzidos por meio da ressecção da semicircunferência superior, incluindo apenas a pele, com preservação do pedículo vascular e nervoso sensitivo. A finalidade é reposicionar o clitóris, reduzindo seu tamanho e protuberância. A literatura é extensa e relacionada à plástica por hipertrofia decorrente da hiperplasia da glândula adrenal, geralmente congênita, que expõe a paciente a altas taxas de esteroide androgênico endógeno.

Vaginismo ou Vulvodínea - consiste na dor por contração involuntária dos músculos da vagina ou do introito vulvar, dificultando ou até impedindo a penetração peniana e conclusão do intercurso sexual. O tratamento é voltado para a psicoterapia, fisioterapia perineal e vaginal. Em algumas situações é útil a injeção de toxina botulínica (Botox) nos músculos do introito vulvar, quando o vaginismo decorre unicamente da contração involuntária deste grupo muscular.

Depilação a Laser da Genitália Feminina
- é outra prática incluída dentro das cirurgias estéticas da genitália feminina.
Cirurgias como a lipoescultura do monte de Vênus, clareamento vulvar, bioplastia dos grandes lábios e clareamento anal são destituídas de estudos clínicos, sem registro de indicações, resultados e complicações.

Qual a faixa etária das mulheres que costumam procurar por esse processo cirúrgico?

A faixa etária é variável, dependendo do tipo de cirurgia realizada. Cirurgias como a ninfoplastia por hipertrofia dos pequenos lábios ou a clitoroplastia por hipertrofia congênita adrenal devem ser realizadas após o término da puberdade, quando a adolescente tem seu desenvolvimento genital e mamário estabelecido.

Segundo pesquisas realizadas, a cirurgia campeã de procura é a que associa a reconstrução do hímen, conhecida como himenoplastia. Essa informação é correta?

A cirurgia realizada com mais frequência no século XX e no início deste século é a colpoperineoplastia, decorrente de trauma perineal e vaginal pós-parto normal. Em virtude do sedentarismo, constipação intestinal por dieta pobre em fibras e perda constitucional do colágeno do assoalho pélvico, pacientes com um único parto vaginal podem vir a apresentar frouxidão dos ligamentos e tecidos do períneo. Não existem registros estatísticos confiáveis acerca do número de himenoplastias realizadas no Brasil. A cirurgia é indicada nas pacientes virgens que sofreram violência sexual e desejam a reconstrução do hímen e nas jovens cuja integridade do hímen represente fator de exclusão social por crenças religiosas ou culturais.

Em 1998 a revista British Medical Journal publicou o relato de 20 mulheres, com idade entre 16 e 23 anos, submetidas à himenorrafia nos países nórdicos da Europa, com 100% de satisfação. O grupo foi constituído pela segunda e terceira geração de adolescentes muçulmanas de países do Mediterrâneo, África e por ciganas. Apesar do aculturamento europeu, com tendência menos conservadora, no momento do matrimônio essas adolescentes permaneciam vinculadas à crença e cultura de suas famílias, com valorização da virgindade. A Guatemala é o país com o maior registro publicado de himenoplastias.

Cerca de 2% das mulheres sofreram reconstrução do hímen. A população é de maioria católica e a Igreja mantém uma linha conservadora, autoritária, com forte influência governamental. Além do registro de grande número de himenoplastias, como alternativa à perda da virgindade, há enorme registro da prática do sexo anal dentre as virgens adolescentes, segundo dados de artigo publicado na revista Lancet, em 2006 (Reconstructing virginity in Guatemala).

Nestas situações é prática não mutilante, que pode ser considerada no mesmo contexto da circuncisão masculina, realizada como sinal de inclusão dos meninos na comunidade judaica, como uma “cirurgia ritualística”. Contudo, não há qualquer suporte científico na literatura médica de indicações outras que visem alimentar a fantasia sexual de casais que desejam a himenoplastia como mero produto de satisfação idílica.

A insatisfação com a aparência vaginal pode causar traumas psicológicos?

A insatisfação da mulher com a estética da sua genitália é determinante de insatisfação psicológica, repercussão na autoestima e desempenho sexual. Além disso, muitas vezes a hipertrofia dos pequenos lábios, do clitóris e a rotura perineal podem ter repercussões físicas e funcionais, de acordo com o vestuário e a prática de atividade física. Da mesma forma que a colocação de prótese mamária foi difundida na nossa sociedade como alternativa de mudança da silhueta feminina às expectativas e conceitos de beleza da época, a cirurgia estética da genitália feminina pode ser colocada dentro do mesmo contexto e ser tolerada da mesma forma, uma vez que a finalidade é a satisfação com o corpo, objeto de atração e sedução.

Cerca de quantas cirurgias íntimas são realizadas no Brasil anualmente?

Não existe estatística nacional do número e importância destas cirurgias, comparativamente às demais cirurgias estéticas. Em 2007, a Agência de Notícias Europeia EFE publicou a seguinte nota: “Cirurgia estética feminina é a última moda na Itália”. Tal artigo foi reproduzido em diversos sites do Brasil, exaltando sempre de forma positiva a recente tendência italiana. Todavia, tal informe não foi baseado em dados estatísticos que representassem toda a Itália, mas em uma única clínica privada de Roma, denominada “Clinique”. O corpo clínico mencionava que, após as mamoplastias com colocação de prótese, as cirurgias de ninfoplastia, lipoescultura do púbis e a himenoplastia eram as mais realizadas. Tal notícia não foi motivo de qualquer publicação científica desta clínica, com detalhes acerca das indicações, limitações, complicações e resultados.

E como estas cirurgias são vistas por especialistas brasileiros?

Estas cirurgias são encaradas normalmente pelos profissionais habilitados a tal prática, em geral os especialistas em ginecologia e cirurgia plástica. Todavia, muitas vezes alguns profissionais “comercializam” tais cirurgias, ferindo princípios éticos da boa prática médica. Tais ocorrências não se limitam ao universo brasileiro, e diversos sites de países da América do Norte, Europa Ocidental e Oriental apresentam tais cirurgias de forma apelativa, procurando atingir o âmago sexual da paciente. A enorme maioria dos distúrbios sexuais, de comportamento ou afetivos, tem como base de tratamento a psicoterapia e algumas vezes o uso de medicamentos específicos.

A cirurgia é reservada a um número muito limitado de casos, e a indicação tem de ser criteriosa e, sempre que possível, precedida de avaliação psicológica ou psiquiátrica, enumerando as efetivas queixas e expectativas da paciente. Um dos maiores exemplos de má prática médica, frequentemente citados na literatura científica, relata a experiência do Dr. Jamer Burt, ginecologista de Ohio. O Dr. Jamer publicou em 1974 um livro intitulado “Love Surgery”, ou “A Cirurgia do Amor”.

O autor descreve sua experiência de 22 anos baseada em 2.000 cirurgias realizadas principalmente no momento do parto, quando, sem qualquer consentimento da paciente e sem qualquer evidência científica, praticava uma cirurgia que acreditava aumentar a resposta sexual, e consistia na clitoropexia (elevação do clitóris), uretropexia e colpoplastia (elevação da uretra por meio da ressecção de mucosa da parede anterior da vagina). Diversas complicações, como disfunção sexual e infecções crônicas da bexiga e do rim, foram observadas e denunciadas. Além de diversos processos judiciais, o Dr. Jamer também perdeu seu registro médico.

A cirurgia deixa marcas ou cicatrizes?

A genitália feminina deixa poucas e imperceptíveis cicatrizes. Geralmente, em cirurgiões habilitados, os resultados são muito favoráveis. Como todo procedimento cirúrgico, deve-se duvidar de profissionais que se intitulam pioneiros de tais técnicas ou minimizam tais cirurgias, alegando que podem ser realizadas em nível de consultório, sob anestesia local, com pronta recuperação. Cada caso é único e deve ser avaliado individualmente.

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1 comentário

Unknown disse...

Eu acho que a cirurgia plástica aqui no Brasil é mal utilizado. Eu ouvi que os pais dão para as meninas de 15 a cirurgia para aumentar os seios. mostra como artificial e superficial, que está se tornando a população do país. Eu conversei com um especialista em mastologia e ela me disse que uma das coisas que sofrem a maioria dos pacientes de câncer de mama é obter uma operação para reconstruir mamas. Nesses casos eu acho que o Estado deve fornecer soluções.

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